quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Verdade Absoluta

O que a palavra de Deus requer de nós, no entanto, não depende apenas de nosso relacionamento com ele como criaturas e súditos. Devemos crer e obedecer, não apenas porque ele nos diz que o façamos, mas também e primeiramente por ser uma palavra verdadeira. Seu autor é o "Deus da verdade" (Sl 31:5; Is 65:16), "cheio de amor e de fidelidade" (Êx 34:6). Tua "fidelidade alcança as nuvens" (Sl 108:4; cf. 57:10), isto é, ela é universal e ilimitada. Portanto sua "palavra é a verdade" (Jo 17:17); "as tuas justas ordenanças são eternas" (Sl 119:160); "tu és Deus! Tuas palavras são verdadeiras" (2Sm 7:28).

A verdade na Bíblia é primariamente uma qualidade pessoal e só em segundo lugar propositiva: isso significa estabilidade, confiança, firmeza, fidelidade, a qualidade da pessoa inteiramente coerente, sincera, realista, que não se deixa enganar. Deus é tal pessoa. A verdade, neste sentido, é sua natureza, e não há nele possibilidade de ser qualquer outra coisa. Por isso ele não pode mentir (Tt 1:2; Nm 23:19; 1Sm 15:29; Hb 6:18). Por isso suas palavras para nós são verdadeiras e não podem ser nada senão a verdade. Elas são o sumário da realidade: mostram-nos as coisas como realmente são, e como serão para nós no futuro de acordo com a atenção que dermos ou não à palavra de Deus.

Vamos estudar um pouco mais esse assunto em duas associações.

1. As ordens de Deus são verdadeiras. "Todos os teus mandamentos são verdadeiros" (Sl 119:151). Por que eles são descritos dessa forma? Primeiro, porque têm constância e continuidade como que mostrando o que Deus quer ver nas pessoas em qualquer época; segundo, porque nos falam da verdade imutável sobre nossa natureza. Isto é parte do propósito da lei de Deus; ela nos fornece uma definição prática da verdadeira humanidade. Mostra-nos a finalidade da vida e nos ensina como ser verdadeiramente humanos e nos adverte contra a autodestruição moral. Trata-se de um assunto de grande importância e que exige muita atenção nos dias atuais.

Estamos acostumados com a idéia de que nossos corpos são máquinas e que precisam seguir uma rotina determinada de alimentação, repouso e exercício se quisermos que funcione eficientemente. O corpo está sujeito a perder a capacidade de funcionamento saudável se abastecido com o combustível errado: álcool, venenos, drogas, terminando por "engripar" de vez na morte física. O que talvez tenhamos mais dificuldade para entender é que Deus deseja que pensemos em nossa alma de modo semelhante.

Como pessoas racionais, fomos criados para ter a imagem moral de Deus, isto é, nossa alma foi feita para "funcionar" praticando a adoração, a observação das leis, a fidelidade, a honestidade, a disciplina, o auto-controle e para servir a Deus e ao próximo. Se abandonarmos essas práticas, não apenas seremos culpados diante de Deus, mas também destruiremos progressivamente nossa alma. A consciência se atrofia, o senso de vergonha desaparece, a capacidade de ser fiel, leal e honesto é destruída, e o caráter se desintegra. Tornamo-nos não apenas desespera-damente miseráveis, mas somos gradualmente desumanizados. Este é um aspecto da morte espiritual. Richard Baxter estava certo ao formular a alternativa, como "Um santo ou um bruto": essa, no final, é a única escolha; e todos, cedo ou tarde, consciente ou inconscientemente, optarão por uma ou pela outra alternativa.

Hoje em dia, algumas pessoas sustentarão, em nome do humanismo, que a moralidade sexual "puritana" da Bíblia é prejudicial para se alcançar a verdadeira maturidade humana, e que um pouco mais de liberdade torna a vida mais rica. O nome exato para essa ideologia, em nossa opinião, não é humanismo, mas brutismo. A lassidão sexual não o tornará mais humano; em vez disso o tornará menos humano. Ela o brutalizará e dilacerará sua alma. A mesma coisa acontece sempre que qualquer mandamento de Deus é desrespeitado. Viveremos de forma realmente humana apenas enquanto estivermos nos esforçando para guardar os mandamentos de Deus. Não há outro modo.

2. As promessas de Deus são verdadeiras, pois ele as cumpre."... aquele que prometeu é fiel" (Hb 10:23). A Bíblia proclama em termos superlativos a fidelidade de Deus. "... a tua fidelidade (chega) até às nuvens" (Sl 36:5); "A tua fidelidade é constante por todas as gerações" (Sl 119:90); "grande é a sua fidelidade!" (Lm 3:23).

Como a fidelidade de Deus se apresenta? Pelo infalível cumprimento de suas promessas. Ele é o Deus que mantém a aliança; ele nunca engana quem confia em sua palavra. Abraão provou a fidelidade de Deus, esperando por um quarto de século, com idade avançada, pelo nascimento do herdeiro prometido, e milhões mais a têm provado desde então.

Nos dias em que a Bíblia era universalmente reconhecida nas igrejas como "A Palavra escrita de Deus", entendia-se claramente que as promessas divinas registradas nas Escrituras eram a base própria, dada por Deus, para toda uma vida de fé. O modo de fortalecer a fé era se concentrar em determinadas promessas que se aplicavam às condições do indivíduo. Samuel Clark,[1] um puritano moderno escreveu na introdução de sua obra Scripture promisses; or, the Christian's inheritance: a collection of the promises of Scripture under their proper heads [Promessas das Escrituras ou a herança cristã: uma coleção de promessas das Escrituras classificadas por assunto]:

A atenção fixa e constante às promessas e a crença firme nelas poderiam evitar a preocupação e a ansiedade quanto aos problemas desta vida. Poderia manter a mente quieta e serena em qualquer mudança e sustentar e manter nosso espírito decadente sob as diversas dificuldades da vida... Os cristãos negam a si mesmos os mais sólidos confortos pela descrença e esquecimento das promessas de Deus. Pois não há situação tão desesperadora para a qual não exista uma promessa adequada e perfeitamente capaz de trazer alívio.

O conhecimento total das promessas seria de grande vantagem para a oração. Com que segurança o cristão pode dirigir-se a Deus em Cristo quando considera as repetidas afirmações de que suas preces serão ouvidas! Com que alegria pode apresentar os desejos de seu coração quando se lembra dos textos onde é prometida a misericórdia! E com que fervor de espírito e grande fé pode reforçar suas orações apoiando-se nas promessas feitas graciosamente e que se aplicam a seu caso!

Estas coisas costumavam ser entendidas, mas a teologia liberal, com sua recusa em identificar as Escrituras escritas com a palavra de Deus, tem-nos privado largamente do hábito de meditar sobre as promessas e de basear nelas nossas orações, aventurando-nos pela fé na vida diária até aonde as promessas nos levarão. As pessoas hoje em dia zombam das caixinhas de promessa que nossos avós usavam, o que não é uma atitude sábia. As caixas de promessas podem ter sido usadas de modo errado, mas a abordagem das Escrituras e da oração que elas expressavam estava certa. Trata-se de uma perda que devemos recuperar.
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[1].Destacado estudioso da Bíblia (1684-1750), era descendente de uma longa linhagem de ministros puritanos. Foi ordenado na Capela Dagnall Lane, freqüentada por muito pastores dissidentes. Tornou-se conhecido pela dedicação ao ministério e por fundar escolas de caridade para crianças (que permaneceram em operação por mais de cem anos).
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J. I. Packer, O Conhecimento de Deus.

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